“A sociedade americana, com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais voluntarista. O voluntarismo não é uma filosofia, mas uma maneira de pensar (…) parte do pressuposto que podemos sempre definir claramente aquilo que desejamos, pelo que o problema passa a ser apenas a forma como obtê-lo. (…)
A ideia central do voluntarismo provém da economia capitalista (…) o fim é claro: maximizar o lucro. Qualquer outro fim não pode ser levado em consideração: é irracional. (…) A sociedade americana aplicou esse tipo de categoria económica a todos os âmbitos vitais, e também ás relações interpessoais, ao erotismo, aos sentimentos (…) estabelece o que queres! Uma vez estabelecido o fim, predispõe os meios organizadores, técnicos (…) Isto é o voluntarismo: fixar sempre, desde o princípio, aquilo que se quer. Queres ser gay, casado ou “só”? Queres uma história romântica ou uma experiência orgiástica? Queres ser monógamo ou polígamo? Esclarecido o que queres, procura o teu grupo, lê os livros de instrução adequados e poderás obter o resultado.
Oposta ao voluntarismo americano está a concepção europeia, segundo a qual nós nunca conhecemos bem as nossas finalidades, porque temos desejos em conflito, paixões divergentes. O problema surge logo no início: queres ser gay? (…) porque há-de fechar-se num gueto e aceitar as regras gay, ser obcecado pelo erotismo? Não é a única finalidade da sua vida. Tem outras, a que não quer renunciar. A finalidade não é qualquer coisa de óbvio. A finalidade é um problema.
As finalidades não existem pré-formadas, antes das acções, no início de tudo. Aparecem. Podemos partir à procura de uma aventura erótica sem qualquer outro envolvimento emotivo, podemos até decidir, em dado momento da nossa vida, que não queremos mais saber do amor. Mas depois perceber, pasmados, que a simples sexualidade, a repetição de encontros novos e superficiais nos desilude, nos deixa no coração uma sensação de vazio, e que temos necessidade de ligações profundas, de sonho e amor. Ou o contrário. Somos casados, queremos bem ao nosso marido ou à nossa mulher, mas temos no fundo do nosso coração uma inquietação que nos faz procurar, em cada pessoa que encontramos, aquele ou aquela que mudará a nossa vida. Cuidado, por isso, se procuramos definir por meio de um teste essa pessoa ideal. Cuidado se nos impomos encontrá-la. Dentro em breve e casar com ela imediatamente. Cuidado se aplicamos a nossa vontade a realizar esse sonho extraordinário com um método racional. Porque aquilo era um sonho. A nossa razão conhece as raízes desse sonho, as necessidades misteriosas do nosso coração. O teste não nos pode dizer nada sobre o que procuramos. ( …) Segundo esta concepção da existência, os seres humanos não se conhecem, não são exactamente o que querem. Decidem maximizar qualquer coisa, devem fazer uma escolha arbitrária entre muitas coisas equivalentes. No mundo das afeições, não se pode aplicar o cálculo do custo-benefício. Porque os benefícios não são comensuráveis e não podem ser confrontados.
Não existe, por isso, uma técnica das relações afectivas. Não existe sequer uma arte, mas no máximo, um conhecimento, um saber que ajuda a compreender e a compreendermo-nos, que ajuda a ouvir e a ouvirmo-nos.”
O Erotismo, Francesco Alberoni, 1986