Ainda sobre o tema dos Matraquilhos, o Analfabeto referiu num comentário a questão da “anarquia consensual.” Para além de ele ter razão, eu gostaria de aprofundar um pouco este tema e falar das diferenças entre um desporto federado e um desporto amador.
Olhando para o regulamento, é visível que a Federação fez um bom trabalho na tarefa de aproximar os Matraquilhos a desportos como o Bilhar; eventuais incorrecções e situaões menos claras poderão ser corrigidas no futuro. Além disso, desconheço os standards da International Table Soccer Federation, que devem obrigar a determinados procedimentos.
http://www.youtube.com/v/nSylpo0m1dE&hl=pt_BR&fs=1&
Gosto, além disso, de ver como este desporto está bem implantado no concelho de Alcobaça. Por entre a confusão de informação disponível no site da FPM e no subdomínio da Associação de Matraquilhos de Leiria, consigo discernir que a União Desportiva de Turquel é um dos associados, e que o Casal de Vale de Ventos e os Casais de Santa Teresa (já na freguesia de S. Vicente Aljubarrota) são dos primeiros participantes.
Cultura própria
Em todo o caso, sim; a “anarquia consensual” de que o Analfabeto fala é na verdade uma cultura própria. Os casos que sublinhei no post anterior são alguns dos que mais “cortam” com a cultura popular, que é aquela em que fui formado.
http://www.youtube.com/v/9p-I-Q7MeYQ&hl=pt_BR&fs=1&
A reposição de bola na mesa de jogo é sempre feita sobre a linha de meio campo, e nunca na área defensiva e recorrendo a moeda ao ar. Parte-se do princípio que a sorte decidirá quem leva vantagem no meio campo. Mais: habitualmente exige-se ao jogador que faz o lançamento que faça a bola bater na chapa metálica do lado oposto ao seu, de modo a garantir uma reposição equitativa, e não “caseira”. Assim, golos marcados quase inadvertidamente no momento de uma reposição em que a bola casualmente bate num jogador, são considerados pelos jogadores honrados como não válidos. Uma situação mais difícil quando existe a pressão monetária associada a um”set” de 9 bolas…
Faz ainda parte da cultura popular bater a bola 3 vezes antes de a introduzir na mesa, e simular o descascar de um ovo depois das 3 batidas. Mas isso já é totalmente extra-jogo.
A troca de jogadores pode ser feita em qualquer altura, e não apenas no final da partida. Aliás, nunca poderia ser feita no final, pois, no jogo popular, a equipa que perde à melhor de 9 bolas deverá ceder o lugar à equipa seguinte, e portanto não há partida seguinte.
Sobre a entrada e saída da bola na baliza, a cultura popular não é muito clara, pois são situações, apesar de tudo, raras. Mas julgo prevalecer o conceito futebolístico da linha de baliza: se passou a linha de baliza, é golo… além disso, isto permite aos jogadores “poupar” mais uns tostões, pois cada bola custa dinheiro. Pelos padrões de 1996, cada bola custava 5,55555555555556 escudos (50 escudos/9 bolas).
Nos matraquilhos, evidentemente que a partida à melhor de 9 bolas é obrigatória. Como poderiam existir histórias de reviravoltas gloriosas de quem perde 4-0 e consegue ir vencer 5-4? Ou do desespero de quem perde 4-0, consegue empatar e acaba por perder na “negra” (terminologia emprestada do snooker”? À melhor de 5 bolas, nem dá tempo para aquecer.
Arrastar a mesa e bater com os varões (ou barões, como a FPM lhes chama, talvez por a sede ser em Valongo) é, obviamente anti-jogo. Mas, não poder falar com os adversários?… a essência dos matraquilhos é obviamente discutir animadamente com os adversários – e mesmo os jogadores que gostam de permanecer calados o reconhecem….
A anarquia é consensual porque baseada no costume e na cultura. E sim, passar para as regras da FPM seria um choque.
E depois, além da cultura popular, há sempre a malta que leva o conceito para lá dos limites.