Archive for the ‘Miguel Torga’ Category

O Poeta não morreu!

Abril 7, 2010

(…)

Miguel Torga deixou-nos recentemente e ficamos mais pobres. A morte era já esperada o que não evitou que a tristeza fosse total. Coimbra ficou de luto.
Adolfo Correia da Rocha, seu verdadeiro nome, nasceu em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes. Emigrou para o Brasil com 13 anos, regressando a Portugal cinco anos mais tarde. Estudou às custas de um tio, formou-se na faculdade de Medicina de Coimbra, exercendo clínica nesta cidade onde passou os seus últimos anos.
Era um autor multifacetado, embora mais conhecido como o poeta do apego aos valores terrenos, o poeta do desespero, rebelde, recatado mas importante, à procura de espaços de liberdade, inconformado com situações de injustiça, torturado pela procura de Deus sobre o qual dizia: “Sempre tive a força de o negar e a coragem de não o esquecer”, enfim, grandes escritor e homem de qualidade.
O seu último poema, “Requiem por Mim”, fala das suas ideias, opiniões, modo de estar na vida, tranquilidade e espera.
Os seus amigos e leitores jamais o esquecerão. Da sua vasta obra, que ficará para a eternidade, destaco entre muitas outras: Contos da montanha (1941), Diário em 15 volumes (de 1941 a 1990), etc.
Você já leu alguma, e outra? Não?! Então faça-o, vale a pena. Façam Miguel Torga viver em cada um de nós.

30/31 Janeiro 1995, autoria de uma estudante do ensino secundário

O Terceiro Dia da Criação do Mundo

Janeiro 5, 2010

“- E agora? Continua connosco? – quis saber o dr. Almeida.
Não era fácil destrinçar na calma dos seus olhos se a luz que os iluminava exprimia indolência, cepticismo ou pura serenidade.
– Talvez vá frequentar o liceu…
Com mais confiança nas asas, apetecia-me experimentar os primeiros voos. Merecera a liberdade, iria gozá-la. Quem vencera três anos, venceria os dois que faltavam, sem necessidade de clausuras.
– Temos pena, mas faz bem. O que esperamos é que guarde boas recordações desta casa
– Sem dúvida… Foram dois anos que nunca esquecerei…
Não mentia. Devia-lhes mais do que eles próprios sopunham. A vê-los viver uma vida insegura, apertada economicamente, mas rica de amor, de sensibilidade e de cultura, encontrara a resposta que há muito a alma me pedia. Aprendera ali pela primeira vez que a existência, esvaziada de certos valores, pouco ou nada significava. Não era o Byron mau chefe de família que a D. Adélia inculcava nas lições; era o poeta de Childe Harolde e o herói de Missolonghi que erguia diante de nós. Sem aquela aturada lição de poesia, de música, de sonho e de penúria sobranceira, como poderia eu corresponder ao aceno confidencial que a mão invisível do futuro me fazia?”

Miguel Torga, A Criação do Mundo – O Terceiro Dia, Planeta de Agostini, página 177