Segundo o Sapo, faz hoje 200 anos que a Família Real embarcou para o Brasil, e parece que vai haver uma recriação em Lisboa. Em rigorosa verdade, se podemos dizer que hoje começou o embarque, a verdade é que embarcar 15 000 pessoas e respectiva tralha
(15 000 pessoas)
não se faz numa manhã. Foi por isso que, quase uma semana depois, no dia 30 de Novembro, quando chegaram os primeiros franceses, ainda houve tempo para mandar algumas salvas de canhão ao último dos navios da comitiva que ainda se avistavam da Barra. (ou será isto um mito urbano?)
A retirada é habitualmente considerada uma fuga, um acto de cobardia. Certamente que o povo se sentira abandonado, já que “eles” fugiam e deixavam-“nos” pr’aqui, e que se desenrascássemos com os ocupantes. Creio, aliás, que é esse ponto de vista que é veiculado pela “Visão” desta semana.
Pessoalmente, discordo. Na situação em que Portugal estava, pequeno entre maiores, ia sair sempre mal. Foi, aliás, o destino de todos os países que não os das 6 potências europeias, todos se saíram mal. A Dinamarca encontrou-se numa posição simétrica à nossa: obedeceu ao Bloqueio Continental de Napoleão, e a resposta foi o bombardeamento de Copenhaga por navios britânicos. (e nem por isso se safou da influência francesa.) A Holanda foi primeiro governada pelo “rei” Luis Bonaparte e depois tornada província do Império Francês, etc. Portugal não deve ter, por isso, quaisquer complexos de inferioridade – simplesmente, neste mundo os pequenos têm poder limitado face aos grandes.
Ora, a decisão do Príncipe Regente foi original, inédita e, mais tarde, copiada. Com o governo português no Brasil (em território português), a parte “europeia” de Portugal podia considerar-se, com toda a propriedade, território ocupado. Com a classe política exilada, houve poucas oportunidades para a baixeza e o dobrar de espinha que uma ocupação militar sempre causa na sociedade ocupada. O país estava, para todos os efeitos, suspenso. E isso contribuiu decisivamente para que a presença francesa nunca fosse vista como aliada,
apesar deste famoso quadro que representa Junot como protector de Lisboa
e “El-Rei Junot” nunca passou de um pobre diabo, em pânico, a deslocar tropas de Norte para Sul e de Este para Oeste, com um problema bicudo causado pela esquadra russa bloqueada em Lisboa, *
(esta merecia um post à parte)
e até ao desembarque dos Ingleses na Figueira, no ano seguinte, que foi a ameaça final ao reinado junotiano. O próprio Napoleão reconheceu mais tarde que a atitude do Príncipe Regente fora a mais acertada para os interesses portugueses.
Talvez a geografia explique em parte esta atitude. Portugal esteve sempre virado para o oceano; parece quase natural que o Rei se ponha a salvo numa ocasião destas. Já a Espanha é um país mais continental e europeu; a monarquia não fugiu para o Peru nem para a Venezuela; o rei de Espanha encontrou-se com Napoleão e, em vez de lhe dizer “porqué no te callas?”, agachou-se e aceitou que o Imperador aliado o substituisse por José Bonaparte; e durante vários anos a dividida família real espanhola foi um alvo permanente de enxovalho e humilhação – pelo menos até o exército inglês dp general Wellington, vindo de Portugal, penetrar em Espanha e começar a empurrar os franceses para Bordéus.
Mal por mal, o exílio foi sem dúvida a melhor escolha. Até porque criou um precedente: na Segunda Guerra Mundial foram inúmeros os governos de países ocupados que decidiram exilar-se, mantendo assim, para todos os efeitos, o direito legítimo do país a retomar a normalidade assim que possível. Tanto assim que a Wikipedia tem uma entrada para governos no exílio, onde falta ainda o caso português do Príncipe Regente D. João. (com a diferença de que o exílio foi para território português…)
O que se passou depois da terceira invasão francesa foi chato, mas fica para outra altura.